Roy Cicala na OMiD international audio academy – Perguntas e Respostas.
Entrevista do lendário Produtor Roy Cicala
Roy Cicala está envolvido na indústria musical brasileira desde os anos 70. Daí para frente, trabalhou com músicos como Tom Jobim e Jacques Morelembaum, Olodum, Moraes Moreira e, mais recentemente, Charlie Brown Jr. Em palestra na Audio Academy, Roy Cicala respondeu uma série de perguntas para os alunos do curso de Music Business.
1. Como tem sido a convivência de um americano no Brasil?
– Aqui é muito difícil – as coisas custam o triplo. Nos EUA você pode levar equipamentos para o estúdio para testá-los, evitando assim de comprar “lixo”. Uma frase de Frank Sinatra em “New York, New York” diz que o que você consegue em NY se consegue em qualquer lugar. É que ele não conhecia o Brasil. Frank Sinatra nunca morou aqui!
2. E nos anos 70, já que você viveu aqui nesta época?
– Não foi uma boa experiência. Houve problemas com a Globo. Aqui não há competição: as pessoas trabalham para sobreviver. Roberto Marinho queria trazer o “Record Plant Studio”, mas a negociação não foi para frente por não haver quase nenhuma vantagem para o outro lado. Isso acontece por não haver competição aqui.
3. Como tem sido o contato com os músicos brasileiros não estudados?
– Normal. O mais importante é o músico ter feeling. Música é uma linguagem internacional e os músicos brasileiros são ótimos. Há sim vias de comunicação.
A Visão do mercado de música
4. Como você vê o mercado para os novos produtores?
– Haverá mercado, mas não haverão mais CD’s por causa da pirataria.
5. Você que acompanhou várias mudanças de estilo e gravação, em relação à Internet, o papel de concepção de um álbum tende a desaparecer?
– É possível fazer um CD, um DVD, mas custará mais do que o normal. Vende-se em shows ou em clubes. Há também os CD’s não copiáveis (mais caros). Para isso, haverá um código a la James Bond (mutante).
6. Não é mais fácil vender música pela Internet que pelo próprio CD?
– Isso já acontece. Existem distribuidoras para ambos os casos.
Boas histórias com as lendas do Rock
7. O que é bom para ouvir, ler, e como foi a sua experiência com Hendrix?
– Não tenho predileção por Hendrix. Gosto de tudo. Em um dia, estava gravando AC/DC. No outro, Liza Minelli. Gosto do Chorão (Charlie Brown Jr.). Gravei Hendrix com 4 ou 8 canais – era o começo. Nada de equalização, efeitos – era o som da guitarra. Usaram, no entanto, microfones de qualidade (Neumann 47 ou 87). – – – Enfatiza que é um grande bloqueio não haver produção desses mics no Brasil.
8. Comente o estilo de gravação da banda toda junta (técnicas em geral).
– A sala tem que ser grande, e ter bons microfones. Deve saber o quão distante devem estar da bateria. Isso é que faz o grave ficar “grande”. Tem que conhecer a acústica, e com os mics apropriados, saber ajusta-los (overheads). Procure verificar a frase, o que tem o som mais doce. Inverta o baixo e vai tocar junto com os overheads para controlar o vazamento do baixo. O conhecimento é importante. Parece que só no Brasil um técnico sai gravando com 1 mês de experiência.
Lições do lendário Técnico de Gravação
9. Há chance das gravações no Brasil alcançar o mesmo nível de qualidade dos EUA?
– É possível. A master é importante. Pode até mandar o material via Internet. A qualidade Internet é bem menor. No entanto, as pessoas só tem a Internet. Não há referência. A referência vai custar mais caro.
10. Quando os ambientes são muito barulhentos, é necessário aumentar a compressão?
– Faz-se a New York Compression. Coloca-se compressão no sinal de Input. O mic de compressão garante a compressão dos picos.
11. Como você vê a atuação crescente no mercado de músicos ruins e como a tecnologia se associa a esse panorama na produção musical?
– Vários músicos ruins fazem sucesso. Se a canção for boa, não importa ao mercado a qualidade do músico. E o que importa na música é o “hook” (a parte mais importante da música). Sinto pena que hoje as gravações sejam pasteurizadas.
12. O que pensa do home-studio nas mãos de um bom compositor?
– Existe uma referência de bom gosto de produção na qual as músicas famosas dos anos 70, 80 e 90 fazem parte e as pessoas querem isso. Não há como fazer isso em casa pois são necessários equipamentos analógicos. Portanto não vê como ameaça. Não é uma competição. No entanto, reconheço que a produção de música eletrônica em home-studio é muito boa!!!
13. Você costuma interferir na forma das músicas que está produzindo? E como foi o contato com o Dire Straits?
– Sim, interfiro. Quanto aos caras do Dire Straits, eles são legais, mas não me lembro muito de seu contato com eles. São muitos artistas gravando por aí.
Produção musical e seus custos
14. Quanto tempo de pré-produção deve se gastar antes de entrar em um estúdio?
– Nos anos 70 a produção era toda feita no estúdio, onde cada minuto tem um custo. Gastava-se cerca de 30 horas por música (10h para gravação, 10h para gravar overdubs, 10h de mixagem).
15. Qual é o custo de um álbum hoje, de alta qualidade?
– Nos anos 70 havia mais luxos. AS gravadoras davam carta branca, mas era tudo feito no studio. Ex. Alice Cooper – School’s out – Eles gravaram um sino dentro do studio. Hoje em dia é possível fazer um álbum econômico. Comece gravando 2 músicas, para ver se os takes não necessitam de mais ensaio.
16. Qual foi sua formação para se tornar produtor, e se há dicas para se tornar um bom produtor.
– Comecei com 17 anos. Estava estudando turbinas de aeronaves. Depois estudei eletrônica. Nós mesmos precisávamos construir nossas mesas de som! É importante entender bastante de microfonação em vários ambientes, inclusive em gravação ao vivo. É importante focar nas coisas que estão fora do computador, não no que está dentro. Ex: Cápsulas grandes de microfone (Neumann) devem ser usadas em estúdio. Em shows, usar o SM-57 mesmo.
17. Existe uma característica especial para se localizar ou desenvolver um artista?
– Não há regras. Quando você trabalha uma música num estúdio, e depois ainda fica cantando ela quando chega em casa, é bem provável que se torne um sucesso. Às vezes é necessário fornecer uma condição que melhora a performance do músico. Você também pode ter bons resultados sendo criativo, por exemplo explorando a captação com dupla microfonação.
Experimentações
18. A experimentação era bastante comum nos anos 70. Atualmente não é mais assim ou há ainda espaço para isso?
– Sim, há, mas custa caro. Eu mesmo fiz experiências interessantes como colocar um amplificador de contrabaixo virado para uma janela e colocar o microfone lá fora. Também já utilizamos o corredor. Dependendo da qualidade de voz, é necessário um plano personalizado, por mais maluco que seja. Quando está com fones ou sem fones, o volume de voz pode mudar. É preciso tomar cuidado, pois é muito difícil fazer um mix para os fones de ouvido (os ouvidos de cada músico são muito sensíveis e diferentes).
19. O que se muda musicalmente nas composições?
– É mais fácil dirigir os músicos que produzi-los. Mudar acordes modifica a música. Coisas como dobrar vozes é um tipo de dica. Normalmente altero a linha melódica do cantor, quando necessário, ou modifico a forma da música. (ex. joga o chorus para o começo).
20. Em relação aos Beatles, quem foram os outros artistas mais importantes para mudar a música no século XX?
– Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Burt Bacarat. Nesta época as pessoas não diziam que o rock’n’roll viria para ficar!
Imposição da personalidade
21. A imposição de personalidade na indústria musical hoje é um vício que tende à não-revolução musical. Quem é responsável por isso? O produtor musical?
– O computador é o grande vilão. Ele mudou o mundo. A música dos anos 70 e 80 estão aqui. As bandas continuam fazendo esse rock’n’roll. Há um ciclo em que as coisas acontecem.
22. Qual a solução? Do que isso depende?
– O jazz não é um bom vendedor; há uma certa carência pela Disco Music. Em NY estão construindo salas de masterização para DJ’s.
23. Acontece muito esses modismo no Brasil. Ao que isso se deve? Indústria? Produtores?
– Dinheiro. O produtor trabalha com o que é quente. Marketing. Ex. Aerosmith vai aproveitar para não lançar discos enquanto não houver carência. Se você fez um grande sucesso você tem a margem de negociação de ganhar pela produção do próximo disco. A gravadora vai pagar até por luxos, se for necessário!
24. De todos seus trabalhos, há algum de que mais gosta? Por quê?
– Isso depende do ano, do seu estado. Considero John Lennon aquele que tem as melodias mais marcantes.
Trabalhando em estúdios
25. Como está a situação nos grandes estúdios? Eles estão fechando? Qual seu futuro?
– A solução é “atravessar o rio”. Está se tornando muito caro dirigir um grande estúdio. Em New Jersey (do outro lado do rio) é mais barato. Há coisas interessantes como alguns estúdios com dimensões grandes e com pouco tratamento (construção de tijolos) que costumam dar um bom resultado.
26. Qual foi a maior dificuldade técnica por qual passou?
– O pior é ter um disco ruim que ninguém quer ouvir. No estúdio, tive problemas com os violinos, gravando ao vivo com trompetes, com Aretha Franklin e mais um baterista “estrela”. Lembro que o posicionamento foi muito difícil, e foi necessário se fazer overdubs de bateria, o que é péssimo. Em outra situação, um estúdio onde trabalhei tinha uma interferência de RF (rádio freqüência) insolúvel, toda vez que se abria a porta. Mas acho que os problemas de ordem pessoal são os piores.
27. Existem duas “escolas” de produção, aquelas das caixas de som de alta qualidade e outra das caixas de som comuns. De qual você faz parte?
– Da segunda. Também prefiro utilizar equalizadores de terço de oitava. Nas salas uso analisador de espectro.
Cicala no Brasil
28. Como tem sido a comunicação no trabalho com outras culturas, nas gravações?
– Na Bahia sim, em São Paulo não. O estilo “samba” está muito ligado ao som do surdo, e aí vem o problema de músicos que ficam satisfeitos com o resultado sonoro no próprio estúdio de gravação, mas em seus sons caseiros, não os ouvem. No Rock não há desse problema, e no jazz, que é meio “louco”, menos ainda. Nós trabalhamos com o Olodum. Na época eu tinha 2 guarda-costas. Havia festa todos os dias (Pelourinho). Ouvia-se música em todo lugar. As pessoas sempre ficavam bêbadas.
29. Qual a diferença de tratamento e gravação com artistas de jazz ou rock?
– Depende de qual tipo de jazz. A microfonação é mais distante para captar mais pratos. Talvez com sax mude.
30. Ocorrem problemas de fase quando da gravação com um grande número de tambores, como no caso do Olodum?
– Não há. É muito som na sala, cerca de 18 músicos.
Culto aos equipamentos
31. No Brasil dos anos 80 o pessoal de estúdio entregou-se à cultura dos equipamentos em detrimento de um bom conhecimento de acústica. A filosofia permanece e o conhecimento permanece baixo. Qual a recomendação para mudar isso, em curto, médio ou longo prazo?
– O problema é que as pessoas não têm oportunidade de trabalhar com bons equipamentos. É necessário utilizar equipamentos como a bateria em lugares amplos. Não se grava uma bateria em uma técnica. Faltam também nos estúdios microfones de cápsula grandes! Recomendo a importação livre ou com impostos saudáveis de equipamentos de estúdio para poder trabalhar num nível internacional.
32. Há quanto tempo está no Brasil e como tem sido o contato com os produtores locais?
– Mais recentemente há dois anos. Gravei, antes, com Jacques Morelembau e Tom Jobim, foi muito bom. Seus arranjos são maravilhosos! Comecei a gravar Elis com Wayne Shorter, mas o projeto não vingou. Na época era técnico, e não produtor. Gastaram 50.000 dólares e não concluíram o projeto. Já no Rock, parece que não está acontecendo muita coisa.
33. Você é músico? Qual é a sua formação musical? O quanto se envolve com músicos?
– Não toco nenhum instrumento. Na época da Record Plant, eu não contrataria, aliás, ninguém tocava para que não se utilizasse o estúdio para tocar. Tive funcionários que ficaram lá de 15 a 20 anos; leva-se muito tempo para se acostumar com uma sala. Hoje em dia os técnicos free-lancer têm esta oportunidade.
Jimi Hendrix e drogas
34. A escolha de Jimi Hendrix pela Marshall foi uma opção orientada por você?
– Bom, o amplificador Marshall não é o meu favorito. Eu nem sabia que Hendrix usava amplificador! (risos)
35. E a influência das drogas na performance musical?
– As pessoas conseguem trabalhar mais rápido sem drogas. Com elas, até compõem melhor. Os engenheiros, por outro lado, eram proibidos. Eu não fumava. Para gravar orquestras, por exemplo, era necessária muita concentração.
36. Em relação a atrasos… Por exemplo, o produtor Feio não gosta de trabalhar no Brasil, pois os músicos atrasam, e o trabalho mais ainda. Como é nos EUA?
– A ordem dos músicos de lá é rígida e atrasos tinham que ser pagos aos músicos pelos técnicos. Eu também não admito atrasos! No Brasil há muita folga.
Charlie Brown
37. O pessoal do Charlie Brown Jr. comenta se sentem diferença do seu trabalho para o de outros produtores?
– Não sei quanto, mais sei que está tudo bem. Estou, na verdade, mais preocupado com os resultados. Só tem que tomar cuidado com as vibrações ruins. O som está diferente, pois eles estão tirando o mundo de plug-ins que se usam normalmente. No Pro Tools, depois de captar tudo, tira-se tudo do digital e trabalha tudo analógico, e depois volta.
38. A maioria das pessoas sabe que o Charlie foi produzido pelo Frank Bonadio. Como você está trabalhando?
– Trabalho fazendo um pouco de tudo. Somos uma equipe, e a banda deu voto de confiança. Mas não fez nada de diferente do que faz a 50 anos.
39. Como, sem formação, trabalha o critério musical?
– Flow, feeling… O que importa é como se capta a música, é isso que importa na gravação. Vai pelo som. Deve-se sentir a música. Precisa aprender a ter feeling. Se você consegue capturar o que o artista quis, está com meio caminho andado. O computador tornou o engenheiro muito lerdo. Não tente escutar as coisas separadamente. Cuidado com o mic debaixo da caixa. As fases podem se anular. E, sobretudo, não use sub-woofers.
Segredos de trabalho
40. Qual seria o setup básico para trabalho em estúdio?
– Não há regras. Mas em termos de home-studio, não posso responder. Nunca tive um home-studio! No mínimo caixas Mackie, pré-amps Neve ou API. Amplificadores Meteoro atualmente são bons, se você for criativo, por exemplo mudar certos circuitos eletrônicos internos…
41. Poderia nos passar um pouco da sua experiência sobre distorção de guitarra?
– São necessárias muitas válvulas, transistores não-integrados. Equalizadores – tomar cuidado para não diminuir o head-room. Truques – máquina de fita – quando se têm duas fitas pode-se sincronizar através do código SMPTE. Os limiters da CBS são incríveis. São de estação de rádio. Aumentam o volume de 3 a 4 dB. Procure usar os aparelhos em paralelo, adicionando o sinal original. E o baixo, usar com pre-amp valvulado!
Microfonação
42. Pode usar dois microfones?
– Tem um pré que distorce muito o vocal. Mas se gravar baixo nele, cortando os agudos pode ficar muito bom.
43. Gravar dois sinais: direct ou mic?
– Normalmente grava dois canais, as vezes dois mic, um comprimido, um não. Se tiver canais e trilhas, use. Para bumbo, tem mic que você tira 20 dB de atenuação e ele fica maravilhoso. Com dois mics, misturando monitores ou não, se você gosta do som, já grave em um canal só para não precisar mixar depois. Após o som passar pela máquina vai modificar e colorir o som.
44. Quanto aos projetos de estúdio pelo mundo. O que se busca em um estúdio pronto e o que ele busca quando planeja um estúdio?
– Atualmente tudo é muito diferente de antes. A tendência é fazer estúdios com caixas near field. No Mosh a sala 5.1 é muito pequena. Tom Ridley (acústico) não conseguiu fazer duas caixas iguais. Ele tinha uma sala flutuante em sistema hidráulico (laje) para chegar em 20 Hz. As caixas ficam “cansadas” com o tempo. Quadrafônicos – Deus só nos deu 2 ouvidos!
45. Quanto à técnica de microfonação ex. hi-hat, é como se fosse sua assinatura! Comente.
– Trabalhava ao contrário, o chimbau, que tem o espectro alto, gravava com mic sem espectro. Ir ao contrário pode ser uma boa. Quando você equaliza, aumenta o head-room. É melhor tirar que colocar. E dois mics sempre trabalham melhor do que um!
Comentário final:
Roy Cicala: “Eu fiquei impressionado com a sala onde estamos (*), dá para ouvir todo mundo!”
Omid Burgin: “Eu fiz o projeto!”
(*) Studio B, Audio Academy